domingo, 23 de novembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº66 Duas Mulas (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


Duas Mulas

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


Iam duas mulas por uma estrada. Lado a lado trotavam.
Uma, que trazia nos alforges batatas e legumes para o mercado, talvez por ser mais nova, adiantou-se à outra mula.
Logo a mais velha a chamou à pedra:
- Então que é lá isso, sua serigaita. Já não há respeito pela nobreza?

Com que direito me ultrapassa a mim, que valho um milhão de vezes mais do que você?
A mula nova, que não estava para despiques, susteve o passo e deixou-a passar à frente. Mas, por curiosidade, perguntou-lhe:
- Porque é que vossemecê vale assim tanto mais do que eu?
- Porque trago uma fortuna que não faz ideia.

Pratas lavradas, castiçais doirados, loiças da Índia e um saco de libras em ouro. Sou uma mula rica, ao passo que você, sua pindérica, é apenas uma mula com dois sacos de batatas e umas hortaliças.
E lá seguiu à frente, majestosa.
A mula nova deixou-a ir. Companheiras de viagem daquele estilo dispensava.

Apartadas pela diferença de riquezas, também, na estrada, a distância entre uma e outra era cada vez maior.
Perderam-se de vista.
Voltaram a encontrar-se no mercado. A mula velha, descarregada do seu tesouro, metia dó. Andavam as moscas à volta dela. Estava à venda, mas ninguém a queria.

- Que lhe sucedeu para vir parar a esta miséria? - perguntou a mula nova, aliviada do peso das batatas.
- Uma grande desgraça - contou a mula velha. - Depois de nos separarmos, fui assaltada por uns bandidos, que me levaram tudo o que trazia comigo e ainda me moeram de pancada.

Andei aos tombos, por aí, até vir ter a esta feira de animais para abate.
Vá lá que o dono da mula nova se tentou pela pechincha que pediam pela mula velha, e comprou-a.
- Vamos ser colegas - disse a mula nova. - Agora o que temos é de levar para a quinta o que o nosso dono trocou pelas batatas.

- E qual é a qualidade do carregamento? - perguntou a mula velha, que já conhecera pesos de muito preço e importância.
- Não é carga pesada. Isso é que me interessa - respondeu a nova.
- Mas de que qualidade? - insistiu a mais velha.

- Estrume - respondeu a nova, muito mula, a mostrar as favolas, cheia de riso.
- Ah, estrume... - repetiu, desolada, a mais velha. - Nunca imaginei. Mas calhou assim. É a vida.
Isto dito a meio de um fundo suspiro. Pois. É a vida...

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