segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº78 Duas Mulheres (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


Duas Mulheres

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


Era uma vez duas mulheres. Uma tinha muitos filhos. A outra não tinha nenhum.
Um dia, a que não tinha filhos convidou a outra para ir lá a casa.
Mas que viesse só. Sim, sobretudo que viesse só, sem a ranchada de filhos atrás, porque ela, sim, tomasse nota, porque ela não gostava de crianças.
- Ui, são insuportáveis! - dizia.

- Desarrumam tudo, sujam tudo, estragam tudo. Eu nunca quis ser mãe porque me falta paciência para aturar gaiatos.
A casa dela estava recheada de coisas e coisinhas, todas muito bem colocadas em prateleiras e prateleirinhas.

Era uma casa cheia e muito asseada, por onde se andava com muita cautela, quase em bicos de pés, para que as prateleiras não estremecessem e as coisa e coisinhas não se sobressaltassem.
A mulher que tinha muitos filhos mirou tudo o que a dona da casa sem crianças lhe quis mostrar.

Não só o que estava à vista, mas também as gavetas e arcas atulhadas de rendas, lençóis, toalhas, e os armários carregados de vestidos, blusas, casacos, que a mulher sem filhos gostava de exibir às visitas.
- Tivesse eu filharada e não podia ser tão rica - dizia ou parecia dizer a mulher sem filhos.

Tempos depois, foi a vez de a mulher com muitos filhos convidar a outra para ir lá a casa. Que algazarra! Miudagem por todo o lado.
Muito atordoada, no meio das crianças, a mulher sem filhos olhava para o desalinho da casa, a pobreza dos móveis, a fraqueza da despensa. Pois sim.

Ela é que estava na razão, ela é que tinha juízo, por nunca ter querido ter filhos.
Chegou a altura de tomarem chá.
- Mariana, faz-me um favor e põe a água ao lume para o chá - pediu a mãe à filha mais velha.
- Não temos chá - disse a filha Mariana.

- Então, ó Carlos, vai ali à loja do Senhor Augusto e compra uma lata de chá, das pequenas - pediu a mãe a um dos irmãos da Mariana.
Quando, já de chávenas na mão, deram pela falta do açúcar, a mãe pediu:
- Rosa, pega no açucareiro e vai a casa da vizinha Adriana pôr uns torrõezinhos - pediu a mãe.

- Mas, depois, não os comas pelo caminho...
Toda a miudagem se riu. Era uma casa muito alegre.
Depois do chá, a filha Noémia pôs-se a pentear a mãe, que era uma maneira de fazer-lhe festas. Com o Toninho ao colo, o mais novo do rancho, a mulher que tinha muitos filhos conversava despreocupadamente com a mulher que não tinha filhos.

- Eles são a minha riqueza - contava ela, sorrindo e fazendo um grande gesto em roda.
A mulher sem filhos compreendeu e até talvez sentisse, lá no íntimo (que é o sítio onde se guarda o coração...) e reconsiderasse, finalmente, que a mulher com filhos era muito mais rica do que ela.

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