quarta-feira, 19 de novembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº61 As Moscas (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


As Moscas

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


Uma mosca. Duas moscas. Três moscas. Três moscas paradas a conversar. De que falavam? Falavam do problema da alimentação.
Dizia uma:
- Tem sido uma crise, colegas. Toda a comida guardada em frigoríficos e armários, trancada a sete chaves. Ninguém lhe chega.

Dizia a outra:
- E os venenos que nos lançam, colegas. Os insecticidas... Que horror!
A terceira mosca permanecia calada. As outras viraram-se para ela. Miraram-na.
- Agora é que reparo. Como a colega está gorda!
- ... e bonita - completou a segunda.

- Por onde é que se tem governado a colega?
- Por aí... Por aí... - respondeu a mosquinha bem alimentada.
E voou, dizendo adeus.
As duas moscas esfomeadas comentaram:
- Ela esconde-nos alguma coisa. Vamos atrás dela.

Voaram também, dançaram no ar, disfarçando os seus intentos, enquanto a outra se distanciava. Quando a viram dobrar uma esquina, voaram em sua perseguição, sem que a mosca gorda e bem parecida se apercebesse. Por fim chegaram a um pátio.
- É aqui que aquela ingrata se esconde.

Repare, colega, repare como ela se refastela com aquele pires de leite.
- Leite? Não me fale nisso. Vamos a ele. Estou com a fome de um enxame de moscas. Vamos ao leite!
Aterraram perigosamente na borda do pires.

A mosca gorda e bem parecida ficou muito mal-disposta, ao ver as outras duas:
- Como vieram aqui parar?
- O acaso... - responderam as duas manhosas.
Beberam daquele leite até se fartarem. Depois foi o ajuste de contas.
- Então a colega tinha aqui esta mina escondida e não dizia nada às suas amigas?

- Este leite não é meu. Põe-o aqui, todos os dias, o dono do Tareco, para ele beber.
- E a colega tem-se banqueteado. Pois agora somos três, isto é, quatro contando com o Tareco, pois também chega e sobeja para ele... Conte connosco.
E desapareceram.

A outra, a mosca gorda e bem parecida, má camarada, pouco amiga de partilhas, ficou sozinha a remorder vingança. "Esperem pela pancada, esperem!"
No dia seguinte foi ela a primeira a chegar ao pátio, onde a D. Zulmira deixava, como habitualmente, o pires de sopas de leite para o seu Tareco.

Mas desta vez, no lugar do pires de leite estava um enorme balde.
- Oh! Oh! Um balde cheio de leite - exclamou a mosca gorda e bem parecida. - Toca a bebê-lo todo, antes que venham aquelas fedúncias, aquelas invejosas... E sem pensar duas vezes lançou-se sobre o balde, em voo picado.
Mosca tola. Mosca sôfrega.

O balde continha não leite, mas cal, cal de caiar as paredes. A mosca gorda e bem parecida engoliu cal em vez de leite. Na cal caiu, na cal morreu.
As outras duas moscas, as moscas laricas, ao aproximarem-se, ainda ouviram uns vagos pedidos de socorro, que se perderam no ar. Quando chegaram, a mosca gorda e bem parecida estava morta.

- É bem feito! - comentou uma das moscas. - Não queria partilhar connosco, morreu do seu mau carácter. Bem, vamos ao nosso pires de leite.
Voaram para o pires, que estava a pequena distância do balde. Ao chegarem, a outra mosca, mais bondosa, não soube calar este comentário:
- Tenho pena dela.

Sim, porque onde comem duas moscas, também comem três...
- Isso, isso, colega! Se ela assim pensasse, não teria morrido e se todos assim pensassem, o mundo seria muito melhor, olá se seria!

A mosca triste e pensativa concluiu:
- Bem, bem, vamos beber depressa o nosso leite, antes que venha o gato, ou alguma mosca esfomeada e invejosa da felicidade das outras...

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