sábado, 15 de novembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº58 O Senhor Frutuoso Inventor (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


O Senhor Frutuoso Inventor

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


O senhor Frutuoso é um grande inventor. Entre máquinas e maquinetas da sua particular invenção tem em casa para cima de uma centena.
Juntem-lhe as máquinas e maquinetas que outros inventores, de diversos pontos do mundo, lhe enviam e imaginem como será a casa do senhor Frutuoso, com tantos maquinismos a trabalhar.

Uma barulheira que só ouvindo. Tlim, tcham, pung... Poc, poc, poc... Bié, bié, bié... Bong! Tuque, taque, tique, tuque... Tuque, taque, tique, tuque... A história podia ser toda assim, embora talvez fosse um pouco cansativa.

- Tudo preciosidades - costuma dizer-me o senhor Frutuoso, quando vou visitá-lo e ele me encaminha pelos salões e corredores da sua casa, cheios de vitrines e de prateleiras, carregadas de inventos.

- Repare-me neste prodígio que me mandaram pelo correio - diz-me o senhor Frutuoso, acabando de desembrulhar diante de mim uma enorme encomenda.
- É um bonito relógio de parede - digo eu.
O senhor Frutuoso indigna-se:
- Isto não é num relógio de parede.

É um invento fantástico de um ilustre correspondente meu do Brasil, o doutor Janísio Bisnaga Filho, não sei se conhece?
Por sinal, não conheço, mas isso pouco importa.
- Explicou-me o meu amigo Janísio por carta que este relógio tem um mostrador e três ponteiros. Um para as horas, outro para os minutos e o terceiro sabe para quê?

- Naturalmente para os segundos.
- Nada disso. O terceiro é para anunciar o tempo - proclama, entusiasmado, o senhor Frutuoso.
Não se percebe onde está o espanto, porque, tanto quanto sei, todos os relógios anunciam o tempo.

- Não é esse tempo, mas o tempo que vai fazer - impacienta-se o sábio.
- Ah! Anuncia as horas com antecedência... - estranho eu.
- Refiro-me ao tempo atmosférico, o tempo meteorológico, entendeu?

Este relógio, além de dar horas, informa-nos, com vinte e quatro horas de antecedência, sobre o tempo que vamos ter, no dia seguinte.
Finalmente, o senhor Frutuoso conseguia fazer-me entender. De facto, o relógio, tal como os barómetros, tinha à roda do mostrador várias indicações: chuva, aguaceiros, tempo variável, bom tempo, etc.

Não tinha "etc.", já se vê, mas percebe-se...
O senhor Frutuoso deu-lhe corda e o relógio começou a trabalhar num tic-tac certinho e cumpridor. Reparei que o terceiro ponteiro apontou para as palavras "Tempo quente". Ainda bem.

No dia seguinte, fiado no invento do Doutor Jasmínio Bisnaga Filho, saí de casa à fresca. Pois apanhei uma chuvada e uma friagem que não queiram saber. "Afinal o relógio também se engana", pensei e nunca mais quis saber do caso.

Só há dias, quando tive de telefonar ao senhor Frutuoso por outros assuntos, é que voltei a lembrar-me do caprichoso relógio de parede. Do lado de lá, o senhor Frutuoso atendeu-me, com a voz fanhosa das grandes constipações.
- Estou assim por causa do relógio - explicou.

- Tenho-me guiado pelo conselhos dele e não calcula as chuvadas e resfriamentos que suportei, nestes últimos dias. Passa-se qualquer coisa no funcionamento do aparelho, que não entendo. Atchim!
O sábio a espirrar e uma ideia a trespassar-me a cabeça de lado a lado.

Botei-a logo cá para fora:
- Se o relógio veio do Brasil, não estará ele regulado para outro clima diferente do nosso? - perguntei.
Fez-se silêncio do outro lado do fio. Depois, o senhor Frutuoso voltou à fala:
- Tem razão, tem toda a razão. O relógio diz que está bom tempo e tempo quente, mas é no Brasil, onde foi montado.

Seja como for é um grande invento. Atchim!
E o senhor Frutuoso desligou apressadamente o telefone, para poder assoar-se mais à vontade.

Sem comentários: