segunda-feira, 10 de novembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº53 Não se chama Marcílio (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


Não se chama Marcílio

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


Marcílio não era o nome dele. Marcílio era um nome falso, um nome escondido, porque o jovem herói da nossa história não podia revelar a ninguém a sua verdadeira identidade.
- Hás-de recuperar o teu reino com este arco que aqui te dou - dissera-lhe o mago Olef.
- Agora há-de ser - respondera Marcílio.

E, impaciente, repuxou a corda do arco que estava solta. Parecia fácil. Não era.
- Falta-te a força - dissera-lhe o mago. - Tens de amaciar a corda à chuva do deserto.
- Mas no deserto chove tão pouco e tão de longe em longe - protestara Marcílio.

- Não tens outra alternativa - dissera-lhe o Olef.
O mago tinha sido o seu salvador. Recolheu-o, menino, quando o castelo e o reino do pequeno príncipe se submeteram aos conquistadores estrangeiros. Por prudência, dera ao órfão o nome de Marcílio e protegera-o e educara-o, em segredo.

Via-o, agora, jovem a espigar e a arder na vontade de reconquistar o que lhe pertencera. Mas, para que tudo resultasse, não podia haver precipitação.
- Se queres que chova no deserto, tens que chamar as nuvens - disse-lhe o mago.
- E como se faz para chamar as nuvens?

- Tens de cantar.
- Agora há-de ser. Cantarei.
O mago sorriu e abanou a cabeça, negativamente:
- A tua voz tem de engrossar. E para a tua voz engrossar, tens beber o sangue do dragão que guarda a montanha.
- Agora há-de ser. Matarei o dragão.

- Só o matarás com esse arco que eu te dei...
Marcílio desesperou-se. Assim nunca conseguiria. Mas, como era um moço decidido, não desistiu. Encaminhou-se para o deserto. Talvez chovesse, sem ter de forçar as nuvens...
Esperou um ano, dois anos, três anos. Três anos de seca.

Ele bem repuxava a corda do arco, mas não havia meio... Ele bem ensaiava a voz num canto guerreiro, mas na voz cruzavam-se agudos e graves, à compita.
Até que choveu. Um aguaceiro de nuvens breves. Mas bastou para amolecer a corda. Marcílio convocou todo o seu ânimo e retesou a corda do arco. Depois, foi à procura do dragão.

Era um monstro terrível. Marcílio não o temeu. Quando se vence o medo, vence-se qualquer dragão. Foi o que aconteceu.
Depois de beber do sangue do dragão, Marcílio cantou, numa voz forte e grave.
A notícia da vitória do jovem espalhou-se e vieram nuvens e nuvens de gente aclamá-lo.

À frente do clamor do povo, Marcílio marchou para o palácio que lhe pertencera.
Lutou e venceu.
Na cerimónia da coroação do novo rei, que era um homem na força da vida, o mago Olaf chamou-o pela primeira vez pelo seu nome verdadeiro: Ivan.

No reino de Ivan, os mais velhos contam sempre esta história, convictos de que assim conseguem moderar a pressa e a impaciência dos mais novos.
- Há que confiar nos leves, vagarosos impulsos do tempo - aconselham os mais velhos, no remate da história.
Será que os novos, realmente, lhes dão ouvidos?

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