quinta-feira, 23 de outubro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº36 O Tambor é que Manda (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


O Tambor é que Manda

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


Este tambor, mal nasceu, foi logo para o serviço militar.
Acabar de ser feito, de pele nova e madeira pintada de fresco, e, logo de seguida, assentar praça, à frente dos recrutas, não é destino que se inveje.

À frente dos recrutas e a comandá-los:
- Esquerdo, direito, um, dois... Esquerdo, direito, um, dois... Toca a marchar, seus bimbos, sempre à voz do tambor - gritava o sargento para os atarantados taratas.
Também eles tinham acabado de chegar ao quartel.

Vinham do campo, vinham das oficinas, vinham das praias de pescadores, e desde que se sabiam gente que se equilibravam nas duas pernas, uma à frente da outra, a andar ou a correr. Mas marchar, às ordens de um tambor, custava mais.
- Acertem o passo pelo tambor, seus azelhas - gritava o sargento.

- Esquerdo, direito, um, dois... Esquerdo, direito, um, dois...
O tambor comandava o melhor que podia. Sempre certinho, que uma só desafinação e ai que se desmanchava um batalhão inteiro.
- Com mais genica, seu tambor - gritava o sargento.

E o tambor-mor dava-lhe com força:
- Rataplã-plã-plã! Rataplã-plã-plã!
O sargento ameaçava:
- Quando chegarmos à guerra, sempre quero ver como é que se portam!
Aquilo não era a brincar. Estavam a preparar soldados para coisa mais séria.

Uma guerra de verdade.
O tambor também foi chamado. Era um tempo em que os exercícios avançavam para o campo de batalha ao som dos tambores.

Na mais infernal mistura de ruídos, toques de cornetim, troar de canhões, silvar de balas, gritos e gemidos, o bater compassado dos tambores nunca abandonava os combatentes.
Os soldados marchavam em linha, de armas apontadas. À frente deles, o tambor, marcando o passo do avanço.

Podiam os generais ficar lá atrás, a ver a batalha por um binóculo. Quem comandava as tropas era o tambor.
O que ele sentia, as desgraças que via, não conseguia descrevê-las. Pois se a única coisa que ele tinha aprendido a dizer era:
- Rataplã-plã-plã!

Rataplã-plã-plã!
Até que, um dia, calou-se. Houve tréguas. Combinou-se a paz.
Calou-se ele e calaram-se os canhões. Até que enfim.
Até que enfim ia descansar. Soldado toda a vida, com tanta responsabilidade em cima, também cansa. Merecia sossegar.

Merecia o silêncio. Merecia a sua paz.
Mas não o deixaram.
Os que tinham sobrevivido aos horrores da guerra juntaram-se em marcha de alegria pelas ruas, cheias de gente, que os aclamavam e lhe lançavam flores.
Voltaram a troar os canhões, mas agora só com pólvora seca.

Os sinos badalaram em todas as terras.
À frente da marcha, o tambor descobria uma maneira nova de dizer que aquele era o dia mais feliz da sua vida:
- Rataplã-rataplã-rataplã! Plã-rataplã! Plã-rataplã!... Rataplã-rataplã-rataplã! Plã-rataplã! Plã-rataplã!...

Rataplã- rataplã-rataplã!
E nunca mais quis tocar outra música.

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