quinta-feira, 16 de outubro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº29 A Rainha das Pêras (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


A Rainha das Pêras

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou


As pereiras dão peras. Não é novidade. Estranho seria se as pereiras dessem maçãs. Mas esta não é uma história vulgar.
Efectivamente, na pereira para onde nós apontámos a história não nasceram maçãs nem uvas nem romãs. Nasceu apenas, entre outras peras que não mereciam especial atenção, uma pêra e peras.

Enorme. Gigantesca. Uma senhora dona pêra.
- Parece uma abóbora - disse o dono do pomar para a mulher. - Se não a amparamos, parte o tronco.
A pereira gemia ao peso da pêra fenomenal. Toda inchada para um lado, também era um fenómeno que ainda se não tivesse partido.

Para reequilibrar a árvore, o dono do pomar trouxe um banco que pôs debaixo da pêra. Assim apoiada, a pêra cresceu e engordou que metia impressão.
- É uma pêra sentada num banco - diziam as outras peras, umas invejosas.

A notícia da pêra gigante chegou aos ouvidos do rei. Até lhe contaram que a pêra era tão grande, tão majestosa, que para ela tinha armado um trono, à beira da árvore donde provinha. Uns exagerados.
- Se ela é a rainha das peras tem de vir para a mesa do rei - ordenou o monarca, que era um glutão, talvez até o rei dos glutões.

Trouxeram-na numa padiola, suportada por dois homens.
O rei, que estava no desfecho de um banquete - só faltava a fruta -, o rei espantou-se.
- Descasquem-na - ordenou.
Três criados, armados de grandes facas, demoraram uma hora na operação.

A pêra sumarenta e suculenta foi posta numa imensa travessa, diante do rei.
- Ainda cá estou - disse o rei, espreitando por trás da pêra.
Já não era o rei, mas a pêra que presidia o banquete.

Todos os cortesãos olharam para a cabeceira da mesa, aguardando a continuação da história.
O rei pegou numa colher e espetou-a na polpa da pêra. Depois, provou. Provou e fez uma careta.
- Está verde - disse.
Um Ah! de desolação prolongou-se, em coro, pela mesa fora.

- Está verde - disseram todos os cortesãos, fazendo um ar muito desconsolado.
A pêra tinha sido colhida antes do tempo.
Por culpa da precipitação do rei, que exigira a pêra à sua mesa, ninguém se preocupara em saber se a pêra já estava na conta. E, agora, era tarde.

Não podiam voltar a pendurá-la na árvore. Era uma pêra desperdiçada. Era um enorme desperdício.
Enterraram-na no jardim, depois de os jardineiros terem cavado um fundo buraco.
Anos depois, floresceu uma pereira naquele sítio. Como? Porquê?

A memória do rei e dos cortesãos era muito curta.
Mas o príncipe, filho do rei, passou por ali e colheu uma perinha madurinha. Provou. Gostou. E não se esqueceu.
Passou a pedir para a sobremesa as peras daquela pereira do jardim.
O príncipe cresceu. Ganhou corpo.

Fez-se um belo rapaz, um mocetão desempenado e atlético. Generoso, risonho, afável. E são como um pêro. Ou uma pêra...

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