quinta-feira, 9 de outubro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº23 As Duas Pombas (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


As Duas Pombas

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou
Duas pombas encontraram-se em cima do mesmo telhado. Vinha cada uma da sua banda e não se conheciam.
As duas pombas não eram exactamente iguais. Uma usava penteado na cauda, em feitio de leque, ao passo que a outra não usava nenhum enfeite.

Dizia a pomba de leque:
- Nunca a vi por estes sítios.
- Não sou daqui. Venho de muito longe - respondeu a outra pomba.
- Do outro lado do rio, naturalmente? - perguntou a pomba do leque, que era curiosa.

- De mais longe ainda, de muito mais... Do cabo do mundo! Voei tanto...
- Eu calculo! - comentou a pomba do leque.
Calcular, não calculava, mas não queria fazer má figura. Que sabia ela do mundo? Pouco. Nunca passara daquele largo, com uma estátua no meio.

Era o que a pomba sabia e muito por alto.
Entretida com os seus pensamentos, a pomba quase se esqueceu da companheira. Foi preciso que esta agitasse as asas, a modos que a preparar-se para a viagem.
- Não me diga que quer ir-se embora?

E para onde, se está tanto frio, lá no alto, e as nuvens tão carregadas? - perguntava a pomba citadina.
- Tenho de ir. Talvez gostasse de ficar, mas...
- Ora pois! Fique mesmo. O homem do cesto está aí não tarda e a minha nova amiga vai provar também - anunciava a pomba de leque.

De cabecinha à banda, num sobressalto, a pombinha viageira perguntou:
- Que homem do cesto?

Tranquilizou-a a companheira:
- Nós todas, que vivemos no largo, chamamos assim a um senhor que vem todos os dias fazer-nos uma visita e trazer-nos prendas: milho, migalhinhas de bolos, sêmeas, grãozinhos de trigo, um regalo... A minha amiga vai provar e, depois, me dirá.

- Não posso. Tenho de ir - assegurava, muito firme, a pombinha.
- Uma misteriosa me saiu a minha amiga. Qual é a pressa? - perguntou a pomba de leque, também de cabeça ao lado.

Em resposta, a pomba viajante levantou uma patinha e mostrou uma anilha larga, de alumínio. Espantou-se a pomba de leque:
- Como? Será que a minha amiga leva aí uma mensagem? Então é um pombo-correio, aliás, uma pomba-correio. Que engraçado.

A pomba de pombal confirmou. Levava, preso à pata, um recado, uma mensagem ou uma carta de alguém para alguém.

E como a pomba da cidade se mostrasse muito interessada em saber mais pormenores, ela contou-lhe os tratos todos da vida de um pombo-correio:
- Vão buscar-nos ao pombal e metem-nos numa caixa com buraquinhos. Ali dentro, passamos dias e dias a viajar. Vamos de comboio? De avião? De automóvel?

Não sabemos. Deixam-nos noutro pombal e, quando precisam de nós, enrolam uma mensagem, que metem dentro desta cápsula, presa à anilha, e largam-nos. Voamos entontecidas, procuramos a direcção de volta a casa e orientamo-nos, o que nem sempre é fácil.
- Que trabalho fatigante! - comentou a pomba de leque.

- Deixe-se dessa vida. A minha amiga dá muita importância a um papelinho, onde devem estar escritos uns gatafunhos sem interesse. Fique na nossa companhia e, daqui a dias, nem se lembra do caminho para o seu pombal.
Asas apressadas voaram por cima das duas pombas.

- Olhe: o homem do cesto já chegou ao largo - exclamou a pomba de leque, muito agitada. - Venha atrás de mim, que os petiscos estão à nossa espera. Venha. Não seja tola.
- Não posso - respondeu-lhe a pomba sem leque. - Tenho de continuar a minha viagem. Não posso.

As duas pombas abriram as asas ao mesmo tempo e voaram, mas foi cada uma para o seu lado.

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