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sábado, 13 de setembro de 2008
HISTÓRIA DO DIA nº3O barrete emplumado do embaixador enfatuado (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)
O barrete emplumado do embaixador enfatuado
António Torrado
escreveu
Cristina Malaquias
ilustrou
Era um enfatuado.
No tempo em que esta história aconteceu, havia luxuosas carruagens, fidalgos empertigados que nelas se passeavam, grandes chapéus emplumados, fatos rendados e folhudos, cabeleiras com muitos caracóis... Eram uns tempos também muito enfatuados.
Por isso os sujeitos enfatuados que viviam nesses tempos enfatuados ainda pareciam mais enfatuados do que se vivessem em tempos menos enfatuados. Estão a acompanhar-me?
O protagonista da nossa história era, portanto, um indivíduo muito enfatuado. O nome? Não sei.
Já ninguém se lembra.
Embaixador de um grande país, representava os interesses do rei ou imperador desse reino grandioso noutros reinos, quase sempre mais pequenos, mais pobres, mais acanhados. Estou a fazer-me entender?
Como este embaixador era um presunçoso, estava sempre a ostentar a sua origem e a opulência fabulosa do reino, donde provinha. A ostentar e a comparar.
No capítulo das comparações é que a emproada personagem era de uma arrogância de meter raiva aos mais pacientes.
- O quê?
O vosso palácio real tem só quarenta salas e salões? - espantava-se, com espalhafato, o espaventoso espanador, perdão!, embaixador. - Pois fiquem sabendo que o mais modesto dos palácios do meu real senhor tem mais de quatrocentos salões. Vejam a diferença.
Fosse verdade ou mentira, o que saltava à vista era a empáfia e a embófia (duas divertidas palavras diferentes que querem dizer o mesmo...), a enorme empáfia e a enorme embófia da personagem.
Tudo lhe servia para desdenhar.
Os banquetes, no país dele, eram mais requintados, as cerimónias mais cerimoniosas, os bailes mais iluminados, as damas mais elegantes, as jóias mais preciosas... Tudo, no reino dele, tinha mais brilho e mais pompa.
Quem o ouvia tinha de aturá-lo, pois ele representava um reino poderoso e não parecia prudente entrar em hostilidades com o seu embaixador, tanto mais que ele próprio estava sempre a dizer:
- O nosso exército é invencível.
Fosse ou não fosse, ninguém queria tirar isso a limpo.
Estou a ser claro?
De uma vez em que o perliquiteto embaixador estava de serviço num pequeno reino - bastante pequeno, mas muito arrumadinho - foi convidado para uma caçada real.
Enjoado, como convinha, o embaixador compareceu, vestido a rigor.
Em vez de chapéu, trazia na cabeça, como de costume, um barrete, enfeitado com uma enorme pluma de falcão. Parece que era moda, lá na terra dele.
Logo, por sinal, a caçada era com falcão.
Assim que a trompa soou o sinal de caça e o falcoeiro desencarapuçou a ave de rapina, o que se viu demorou menos tempo a acontecer do que demora a contar.
A ave disparou pelo ar fora. Ia despenhar-se de bico em riste sobre a presa.
Mas, desta vez, diante do séquito atónito, a caça visada pelo falcão foi outra. Qual? O barrete do embaixador fedúncio.
Teria implicado com a pena? Não se chegou a saber. O falcão arrebatou o barrete e ergueu-o nos ares, tão veloz como descera.
O embaixador barafustou, de cabeça perdida, como se o falcão lhe tivesse tirado a dita cabeça. À sua roda tudo ria a bom rir.
Passadas umas voltas pelo céu, o falcão terá reconsiderado e, aparentemente arrependido do desaforo, regressou à comitiva.
De barrete no bico, voltejou à roda dos ombros do atordoado embaixador e, mais diplomata do que o cavalheiro nunca fora, restituiu o cogumelo aonde ele pertencia. Ficou o barrete um pouco à banda, mas, depois de tanta habilidade, não se pode exigir mais perícia a um falcão.
De seguida, voou de novo, colhendo no ar o eco dos aplausos do séquito real.
Um nunca mais acabar de vivas e risos.
O rei daquele pequeno, mas arrumadinho, reino, que era dotado de uma personalidade afável de grande senhor, acercou-se da vítima do falcão e comentou:
- Aquilo a que assistimos, meu caro embaixador, parece uma fábula.
O falcão tanto podia ter arrancado a minha coroa como o seu barrete. Que nenhum sinal de dignidade e de grandeza se julgue eterno! A importância dos reinos e dos impérios é um vai-e-vem. Qualquer golpe de asa e... vão ao ar!
O embaixador alisava, exasperado, a pena do barrete. Nunca sofrera um vexame assim. Mas fazer queixa de quem?
De quê? De um falcão? Era ridículo.
Tão furioso estava que nem deu por uma maliciosa piscadela de olho do rei dirigida ao falcoeiro, que retribuiu, dentes a brilhar de riso. Não viu o embaixador nem mais ninguém, mas eu estou em condições de assegurar que foi assim, tal e qual.
E ponho-me a cismar se o rei, o falcoeiro e o seu falcão amestrado não teriam conspirado os três, para dar uma lição ao impertinente... É uma hipótese. Tem pés para andar, asas para voar. Quem acha que não?
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