terça-feira, 30 de setembro de 2008

HISTÓRIA DO DIA nº15 Vida de sabonete (VER MAIS EM www.historiadodia.pt)


Vida de sabonete

António Torrado
escreveu

Cristina Malaquias
ilustrou
Era um sabonete novo, fresquíssimo, por estrear. Nunca tinha tomado banho.
Naquela gaveta de drogaria, onde ele, junto com muitos outros colegas, aguardava a vez de ser vendido, já tinha perguntado, ainda que timidamente:
- Afinal, para o que é que eu servi?

- Serves para lavar e perfumar - respondeu-lhe um velho sabonete de alcatrão, muito sabedor das coisas da vida. - Vais dar banho, tomar banho... Descansa que o que te espera vai ser bom.

Um sabonete para a caspa, ou melhor, contra a caspa, acrescentou:
- Mas tudo o que é bom também acaba.
Era o rezingão do grupo.
O sabonete novo teve a oportunidade de confirmar as previsões do velho sabonete. Tudo aconteceu como ele dissera.

Deu banhos e tomou banhos, escorregou vezes sem conta pelo mármore polido da banheira, conviveu com esponjas, escovas macias e conheceu da anatomia do corpo mais do que um pintor de nus.
Mas, redondo que tinha sido, estava agora delgadito. Ainda foi parar à beira de um lavatório, a par de outros tão magros quanto ele.

- Somos, agora, sabonetes de lavar as mãos - avisaram-no os companheiros. Até ver... Tudo o que é bom também acaba.
Lá estava o aviso, de novo a insinuar-se, a dar que pensar.
Ele e os outros da saboneteira foram-se desfazendo em espuma. "Tudo o que é bom também acaba".

O sabonetinho, que tinha sido novo, começava a perceber.
Até que veio um menino que queria fazer uma caldeirada. No dizer desse menino "caldeirada" era juntar, numa tigela, sobras de sabão e de sabonetes, acrescentar água, remexer com uma cana e, depois da calda pronta, soprar por um canudo bolas de sabão.

Subiram pelo ar, atraídas pela luz rolaram, soltas, leves, felizes, grandes e pequenas bolas de sabão, como gotas ou lágrimas do arco-íris. Voaram, perderam-se pelo azul do céu...
Tudo o que é bom também acaba. Mas, às vezes, acaba bem.

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